Four Seasons

A intenção não é fazer de tudo um texto bonito, e sim, refletir sobre esses sonhos incertos.

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segunda-feira, 3 de maio de 2010

Sucumbindo ao abismo profundo

Há aqueles que na alvorada despertam, há aqueles que nunca se recolhem. Também há aqueles que nunca despertam, eternamente fadados a uma traumatizante e falsa vida. Vida essa que, aos poucos, se perde nas informações do cérebro e se torna uma existência vazia.

O olho que não vê, o coração que não bate. A voz muda, o ouvido surdo. As mãos paradas, os pés não mais em contato com o chão frio. Tudo se torna negro como a noite, gélido como a morte e triste como o infortúnio. Lágrimas inexistentes insistem em cair pelos olhos sem brilho. Um grito que nunca será ouvido é dado, e as mãos estendem-se para o alto, onde uma ilusão de luz parece existir.

Fora daquela ilusão, jaz uma silhueta.

A silhueta que não mais passava de uma carcaça abandonada na viela escura e fria. Uma vida acabada, um corpo perdido. Tão triste, provável violenta morte. A alma continua a gritar de medo, a gritar por ajuda, a correr pela escuridão. Um dia a alma cansará e suas pernas cederão. Quando esse dia chegar, quando ela se ajoelhar, não haverá mais aquele chão falso. Ela escorregará pela escuridão, cairá eternamente no mundo negro da inconsciência profunda.

Tão estranha, e tão deprimente morte.

Porém obviamente um caminho sem volta.

Não existirá apoio para ela arriscar um regresso frustrado. A alma cederá ao desespero, enquanto cai lentamente, sem parar, mas sem acelerar. A consciência que antes duvidava de existências superiores terá como uma opção a reza; para que ela aterrisse em paz ou que encontre algo para sustentar o caminho de volta.

Porque a pobre sofredora é a última a perceber que não há mais volta.

Quando ela perceber, quem sofrerá é você.

Um tempo depois de cair, a coitada se ofuscará pela sala branca. Nessa sala há uma neblina carregada; nela será sentido o cheiro das mais perfumadas flores. Ou isso lhes pareceria.

Pois não eram flores. Não haviam flores naquele lugar para exalar aquele cheiro. Ela até tentará procurar pelas flores como última esperança de retorno... Mas não as encontrará. E então, ela olhará em volta. A paisagem que não muda, o mundo branco e nebuloso que com o tempo ela estava ciente de que desafiaria sua sanidade.

Por uma última vez ela tentará aspirar o cheiro adocicado da neblina. E entenderá que aquele cheiro não era de flores. E sim, que aquele cheiro vinha de almas.

E finalmente percebera porque estava ali.

Ela tinha realmente morrido, afinal.

As lembranças do motivo de sua morte são as únicas coisas que ainda lhe restam. Ela tenta se lembrar daquilo que fazia parte da sua vida, mas não consegue. Tudo apagava-se tão rápido como uma lâmpada que queima. Quando torna-se ciente de seu próprio destino corrompido, caem mais lágrimas de seu rosto. As únicas lágrimas verdadeiras a cair após a morte.

A tristeza toma conta, começa a arfar em desespero e fugir da realidade. Relutante em aceitar, continua procurando pelo local por onde fora parar ali, mas ele também havia sumido. Cai ao chão, e dessa vez sente o frio em seu falso corpo. E as lágrimas quentes continuam a cair. Por mais que no início tivesse sido difícil de aceitar, no fim, a alma cede.

E não é porque ela percebe que não há mais chances. E sim porque ela percebe que poderá descansar. Tudo o que a alma sempre quer ao nascer... É descansar.

E ela se torna parte da neblina, as lágrimas condensam no ar. Lágrimas de felicidade.

Com cheiro de flores.

Elas morrem felizes, afinal.